#110. Vacinado, bem alimentado e desalentado
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Olá,
Julho foi o mês mais frio do ano, quiçá desde que me mudei para Curitiba. E ainda tivemos vários dias nublados, o que piora o que já seria ruim mesmo com sol. Tendo crescido no interior do Paraná, onde vez ou outra, no auge do verão, temperaturas em torno dos 30º C podem ser definidas como “clima ameno”, jamais imaginei que um dia fosse dizer isso, mas lá vai: que saudade do calor.
Neste podcast, defendi com afinco o e-mail para a comunicação profissional. E pessoal. Enfim, como a ferramenta ideal para trocas de mensagens em texto. No outro lado do ringue estavam os apps de mensagens, que, aparentemente, são preferidos pelos mais jovens.
No dia seguinte, ri sozinho quando me vi resolvendo três pendências profissionais paralelas no… WhatsApp.
Ainda prefiro o e-mail pelos motivos expostos na conversa (e outros mais), mas reconheço, tardiamente, que aplicativos de mensagens já estão consolidados, para o bem (acontece, às vezes) e para o mal, entre jovens, não tão jovens e idosos de corpo e de alma.
Ainda sobre esse assunto, no fim do mês coloquei em prática uma ideia que a Jacque tinha comentado anteriormente: separar comunicados de imprensa do meu e-mail principal. (Nossas gravações são, também, grandes trocas de dicas e boas práticas.)
Quando fui criar um novo endereço para os comunicados, deparei-me, na área administrativa do provedor de e-mail, com um gráfico de mensagens recebidas e enviadas. Até aquele dia, 17 de julho, havia recebido 24.280 e-mails, média de 122,6 por dia. Já sabia que era muita coisa; esse gráfico serviu apenas para quantificar a impressão de estar o tempo todo soterrado por sugestões de pautas.
Pois bem, criei o e-mail (se você trabalha em assessoria, é pauta@manualdousuario.net) e um texto padrão que usei para responder a rigorosamente todo comunicado de imprensa que chegasse à minha caixa de entrada. Tomei o cuidado de marcar essas mensagens, para saber com quantas delas lidaria no período de transição.
Uns dias e mais de 300 (!) mensagens depois, estava em paz. Tem hora que eu até estranho a calmaria na minha caixa de entrada. Vez ou outra ainda aparece um comunicado, mas é tão raro. Agora consigo me concentrar nas mensagens não automatizadas e elas não somem de vista. Quando eu quero ver o que os colegas estão sugerindo, entro no e-mail específico para isso. Um sonho. Se eu soubesse que seria tão fácil, rápido e eficiente, teria feito antes.
Dica: a maioria das agências e empresas usa o I’Max para disparar comunicados, uma espécie de plataforma de mailing de jornalistas. Isso explica as muitas sugestões completamente fora das áreas que cubro; por outro lado, facilitou um bocado esse processo de alteração do endereço de e-mail. Trocá-lo no cadastro do I’Max resolveu quase que instantaneamente o problema. Se você é jornalista e ficou com vontade de fazer o mesmo, sugiro começar por lá.
Outra dica: separar newsletters em uma pasta/etiqueta, fora da caixa de entrada, ajuda muito a acompanhar as que você gosta sem que elas se percam ou atrapalhem o fluxo de mensagens normais, que não são newsletters. Aqui eu fui além e fiz a mesma coisa com as notificações de comentários do Manual do Usuário (são ~900 por mês). Agora tenho tudo compartimentado e o meu eu que se regozija com organização está com um sorriso de orelha a orelha.
Assisti a vários eventos da Olimpíada. Uma das coisas mais legais é que não rola muita pressão para ganhar e todo resultado é motivo de festa. Ganhou uma prata? Ótimo. Bronze? Maravilha. Chegou às finais? Incrível! Último lugar? Parabéns. É muito diferente do clima do futebol, em que os torcedores meio que exigem que os times ganhem sempre, o que é uma impossibilidade lógica dentro das regras conhecidas do universo, e ficam genuinamente bravos quando seu time perde.
Na sexta, Bernardo Mello Franco abriu sua coluna n’O Globo assim:
O encerramento dos Jogos de Tóquio vai mudar a fauna dos personagens que desfilam no noticiário. Saem os atletas olímpicos e seus relatos de superação. Voltam os mercadores de vacina e suas histórias da carochinha.
Senti como se fosse um puxão de volta à realidade, ou à parte majoritária e depressiva da realidade. Talvez o impacto dessa edição dos jogos olímpicos tenha sido maior (em mim, ao menos) porque foi uma ilha de pequenas alegrias no oceano radioativo em que estamos afogados desde, sei lá, 2016.
Momentos do tipo, despreocupadamente alegres, têm sido raros. Para você também? Mesmo atuando ativamente para mitigar a exposição a toda essa toxicidade, é inescapável. As más notícias estão em todo lugar e sempre nos alcançam. Sinto que a experiência de existir nunca foi tão dura para a minha geração. Vínhamos numa crescente de otimismo e progresso, o que torna os retrocessos recentes ainda mais doídos.
Fui tomar a vacina, um dia feliz, mas não consegui tirar da cabeça que poderia tê-la tomado seis meses atrás não fosse a mesquinhez dos (ir)responsáveis por garanti-las. Após quase 4 horas (!) na fila e um breve momento de tensão na liberação — minha data de nascimento estava errada no cadastro da Prefeitura —, enfim tomei a bendita vacina. Se não tivessem me deixado vacinar depois de, reforço, 4 horas de espera em pé e debaixo do sol forte, eu juro que teria virado negacionista. (Mentira.)
Para registrar para a posteridade:
- 2013: Review de celular.
- 2018: Review de política de dados pessoais de aplicativo que envelhece pessoas em fotos.
- 2021: Review de máscara PFF2 contra um vírus mortal.
- 2024: 👀
Em julho, decidi ficar menos dependente dos serviços da Apple, o que me levou a soluções pouco ortodoxas, tipo usar um arquivo txt
como lista de tarefas. (Está funcionando bem!) O MacBook e o iPhone são muito bons e estou adaptado a eles, aos aplicativos que uso neles, a esse ecossistema, mas não gosto desse arranjo. Dependo dos produtos e serviços de uma empresa que fatura US$ 81 bilhões em três meses, é extremamente opaca e pode, a qualquer momento, tomar decisões controversas, como fez essa semana. Ser chamado de “socialista de iPhone” não me incomoda; dar mais dinheiro à Apple, sim.
Tenho gasto uma montanha de tempo em pesquisas por alternativas ao MacBook e ao iPhone. Ou à alternativa, visto que não existe outra minimamente viável que não o combo Linux (computador) e Android sem Google (celular). No momento, é algo puramente hipotético, longe de uma troca iminente. As coisas que eu tenho estão funcionando, e bem. E foi essa conclusão, óbvia, eu sei, que me fez sossegar o facho: essas coisas estão funcionando e me permitem fazer o que eu preciso com confiança e sem me distrair com problemas ou complicações desnecessários, o que é ótimo, pois tratam-se de ferramentas, não de um fim.
Ainda assim, continuarei experimentando e migrando para soluções livres e de código aberto, pavimentando o caminho para, quando chegar o dia da troca, essa transição para ferramentas e soluções mais alinhadas àquilo em que acredito seja viável. Ontem, por exemplo, consegui configurar o Syncthing, um “Dropbox faça-você-mesmo”, nos meus computadores — o Mac e um Raspberry Pi. Fiquei fascinado.
Alguns “lifehacks” que descobri recentemente:
- Se você tem panela de aço, já deve ter sacado que não adianta esfregar com a esponja para remover a sujeira que fica encruada no fundo. De todas as soluções para esse problema, a que melhor funcionou aqui foi colocar um pouco de água e umas pitadas de bicarbonato de sódio dentro da panela e deixar no fogo, com a água fervendo, por alguns minutos. Depois, desligue o fogo, espere a panela esfriar e aí passe a esponja com detergente líquido. Sai tudo, a panela fica como nova.
- Para quem gosta de milho espanhol como petisco (é um dos favoritos da casa), fique atento(a) aos sabores e preços. Eu sempre me pautava pelos sabores que gosto, até notar uma discrepância enorme nos valores. Alguns custam muito mais que outros, o que faz sentido, pois temperos têm preços diferentes. O de mostarda, que é (ou era) meu favorito, infelizmente é o mais caro de todos — chega a custar o dobro dos sabores mais baratos, como ervas finas e lemon pepper, que também são gostosos.
Uma torradinha com o pão que o viado amassou, guacamole e um ovo frito por cima.
Descobri meu ponto fraco na produção de bolos: o fermento. Parece que ele perde a eficiência bem rápido após aberto, mesmo ainda estando dentro do prazo de validade. Era esse o problema com os meus bolos murchos. Veja este, de fubá, feito com um fermento recém-aberto. Parece até que cresceu para compensar os anteriores.
Dia desses aprendi que curry é um prato também, não só o tempero. O da foto, com vários legumes e sem frango/carne, foi a P. que fez; eu só a auxiliei e fiz o arroz.
The bold type é uma série ficcional que se passa na redação de uma revista de papel que faz sucesso em 2017. Já me perdeu aí. Tudo bem que é ficção, mas tem que ter verossimilhança. E tem também a fixação em explicitar que é uma série de millennials norte-americanos, o que me levou, na condição de ~millennial brasileiro que poderia, de repente, se identificar com uma ou outra situação, a apenas desprezar profundamente millennials de qualquer nacionalidade. Acho que agora entendo os jovens que chamam a gente de “cringe”. Estou terminando a quarta e, até agora, última temporada.
Vi uma sequência particularmente ruim de filmes: Adeus à linguagem, do Godard; A árvore da vida, do Terrence Malick; e Os belos dias de Aranjuez, do Wim Wenders. Chatos demais.
Para não dizer que julho foi um mês cinematograficamente perdido, gostei bastante de Benzinho, do Gustavo Pizzi, e do desenho Your name, do Makoto Shinkai. Também vi Depois de Lucía, do Michel Franco, mas esse eu só recomendo se você tiver estômago forte. Poucas vezes um filme me deixou tão abalado. (Ele aborda bullying e depressão.)
Aos poucos, tenho lido Armas, germes e aço, do Jared Diamond. Ele tenta responder uma pergunta que acredito todo mundo já se fez um dia: por que foram os europeus que desbravaram e colonizaram os outros continentes, e não o contrário?
Achei boa a resposta dele, que nem se quisesse conseguiria resumir aqui (são ~500 páginas), mas o que mais me chamou a atenção foi como o ser humano quase sempre foi hostil à natureza — e pagou e paga as consequências disso — e como a mudança não é só uma constante em nossa espécie, mas necessária. Isso me atingiu pessoalmente, porque muito de quem sou e do que faço é guiado por um apreço desmedido à estabilidade, o que agora, de uma perspectiva biológica e evolucionária, mas não só, parece-me um erro terrível.
Penso nisso, também, quando assisto à série Anne with an E, que se passa em um vilarejo? Cidade rural? Enfim, em um cafundó no Canadá no final do século XIX. (É ótima!) As personagens passam os dias fazendo pão e bebidas, socializando com os vizinhos, costurando as próprias roupas, lavrando a terra e passeando por paisagens espetaculares. E sem celulares à mesa! Tem umas tretas também, conflitos para avançar a trama, mas no geral aquela ambientação me passa uma sensação tão agradável, de que devia ser uma baita de uma vida boa, aquela ali.
Claro que não era. Uma chuva que faltasse poderia arruinar a sua colheita e aí você literalmente morria de fome no ano seguinte. Estourou o apendicite? Adeus. Uma dor de dente e o único jeito de resolver era arrancando ele sem anestesia. Os padrões e as possibilidades de higiene deviam ser baixíssimos. Somos tão diferentes dos nossos antepassados de cem anos atrás que parecemos duas espécies distintas. Eu não duraria uma semana no Anne with an E.
Talvez essa nostalgia por um tempo supostamente mais simples, ou por uma idealização dele, se conecte de alguma forma à minha lista de tarefas em txt
. A modernidade é cheia de conveniências, confortos e avanços incríveis, mas é tanta coisa, uma avalanche infinita, que transforma o simples existir numa estafa gigantesca. E não dá para renegar tudo isso e viver como se estivesse em 1897. É preciso se adaptar, como mostra o livro do Jared.
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Apesar da forte turbulência, acredito que tudo isso vai passar e num futuro próximo ficaremos bem. #ForaBolsonaro e sigamos em frente.
Até a próxima!