#112. Viagens no tempo
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Olá,
Mês passado falhei contigo e não mandei a newsletter. Aproveitei uma carona para visitar minha família no interior e a viagem embaralhou um pouco as coisas. Foi, pois, por um bom motivo. Fazia quase dez meses que não ia para lá, aí fui, seguindo todos os protoc… ah, a quem quero enganar? Segui o que deu dos famigerados protocolos.
Em dado momento, me vi em um aniversário de criança com quase todos os parentes, como nos velhos tempos, todo mundo de cara limpa menos eu e minha irmã, ambos de máscara. Foi chocante ver como tanta gente mudou em — não em pouco tempo, mas em quase dois anos. A última safra de crianças da família, que está entrando na pré-adolescência? Algumas quase não reconheci. Fotos e vídeos não fazem jus à realidade.
A pandemia foi uma espécie de máquina do tempo, só que em vez de carros voadores e roupas de gosto duvidoso, deparei-me no futuro com crianças que cresceram demais. O que deveria ser a coisa menos impactante, pois que as pessoas envelhecem é das poucas certezas decorrentes da passagem do tempo. De qualquer forma, considere-me impactado mesmo assim.
Já de volta a Curitiba e ainda com minha máscara PFF2 firme no rosto, abri uma exceção à regra de não frequentar lugares fechados com muita gente e acompanhei minha irmã AP e mãe à Casacor, evento anual de arquitetura que apresenta tendências do setor, o que achei um contrassenso porque estamos falando de coisas feitas para durar décadas, não apenas um ano. Ou existe alguém que vai todo ano à Casacor e, ao sair de lá, invariavelmente faz uma reforma em casa? Aqui tem umas fotos.
Não que eu esperasse algo diferente, mas ainda assim fiquei um pouco surpreso com a… atmosfera, por assim dizer. A Casacor é uma feira de decoração, mas não qualquer decoração; é decoração de gente rica. Não encontrei vestígio de móveis ou quaisquer objetos que sugerissem preços com três dígitos ou menos no varejo, que eu pudesse ver, curtir e pensar “é, talvez eu torre parte do meu 13º [que não recebo, mas releve] nesse abajur”. É outro mundo.
Algumas ideias me pareceram esquisitas por outros motivos. Por exemplo, a fixação da arquitetura de alto padrão com banheiros pouco ou nada privativos. Tinha um em especial, parte de um projeto de “studio” (kitnet) com uma pegada meio startupera (#tendência), que ficava no meio do ambiente e tinha paredes de vidro. Não é tanto problema quando se vive sozinho, mas até nessa situação o banheiro-aquário pode virar um transtorno se você receber em casa, sei lá, um ~date ou seus pais.
Um registro da minha incredulidade:
Em outro momento surreal, adentrei um ambiente, uma sala de estar, no momento em que a arquiteta explicava suas escolhas a uma galera que estava ali. Ela dizia que tinha planejado o lugar para gerar mais interação entre as pessoas da casa, porque a sala costuma ser um lugar pouco usado. (Deve ser coisa de gente rica, subutilizar a sala.) Para atingir tal objetivo, a arquiteta removeu a televisão e (aqui ela me perdeu) colocou um piano. Um piano no meio da sala. Oi?
Corta para duas semanas depois, quando decidimos, eu e P, ver Gold diggers of 1933, do Mervyn LeRoy. Que filme adorável, maravilhoso. Logo no começo, para a minha surpresa um personagem aparece no apartamento ao lado tocando… piano no meio da sala! Fazia sentido em 1933, não estou muito certo de que ainda faça em 2021. Alguém aí sabe tocar piano?
Os aplicativos de streaming começaram a se rebelar contra minha TV idosa. Dia desses, um deles avisou: “este app deixará de funcionar no dia 27”. Chegou o dia 28 e ele continuou funcionando, porém agora a mensagem diz: “Este aplicativo não funciona mais nesta TV”. Não sei se a indecisão é melhor do que se ele tivesse parado de funcionar na data prometida. Quase um terror psicológico.
Essa rebelião contra as máquinas defasadas me empurrou ainda mais ao meu acervo de filmes velhos™ que não depende do streaming para ser apreciado. Além do já mencionado Gold diggers of 1933, vi também nesse período Vida privada (1962) do Louis Malle (meh), Jasão e os argonautas (1963) do Don Chaffey (boa sessão da tarde), e O desprezo (1963) do Godard (como relações amorosas se esfarelam; ótimo).
Fiz um pequeno desvio por ficções científicas datadas, com Alien (1979) do Ridley Scott (quem leva um gato para o espaço!? Fora isso, ótimo suspense) e Tropas estelares (1997) do Paul Verhoeven (tão ácido quanto o sangue dos ETs). Além dos filmes em si, gostei de observar as noções futuristas retratadas ali. É o futuro do passado. A humanidade evoluiu a ponto de tornar a mineração espacial algo tão rotineiro que os tripulantes não têm problema em levar um gato de carona (sério, que ideia), mas as telas dessas naves ultra-sofisticadas ainda são monitores CRT de baixíssima resolução. Sensacional.
Outro tipo de anacronismo me ocorreu enquanto lia Design para um mundo complexo, do Rafael Cardoso. O livro, de 2012, já discutia com profundidade algumas questões que hoje são inescapáveis, como a insustentabilidade do modelo industrial vigente. Não que isso fosse novidade ali, mas o tom de urgência, a medida de importância empregada pelo autor caberia muito bem em 2021, seria considerada contemporânea, moderna se publicada hoje, o que me levou a pensar no que eu estava pensando em 2012 para que essa conversa não estivesse em meu radar.
O livro não se resume a isso, claro. Em uma passagem muito legal, em que Rafael critica a forma ideal dentro de uma lógica utilitarista do design de produtos, algo popular no final do século XIX, início do XX, ele ataca um princípio particular meu, esse mesmo de que alguns produtos têm uma forma ideal e é bobagem reinventar a roda. Cheguei a levantar o argumento neste podcast, a respeito dos celulares. Com elegância e bons argumentos, Rafael contra-ataca a ideia. Fez-me pensar um tanto.
Na penúltima newsletter, mencionei que “muito de quem sou e do que faço é guiado por um apreço desmedido à estabilidade”. Rafael soltou um direto no meu estômago que nem vi de onde veio:
O mais difícil é permanecer imóvel. Às vezes, é preciso mudar muito para continuar sendo o mesmo.
Li ainda, atrasadíssimo, Farenheit 451, do Ray Bradbury, e mais uma vez deparei-me com trechos que poderiam ter sido escritos hoje. O que neste caso é especialmente grave, pois estamos falando de uma distopia em que convencionou-se que proibir a leitura e — literalmente — queimar livros são boas ideias. O livro também tem muito daquele “futuro do passado”, retratando soluções como streaming ao vivo e uma versão de metaverso que as pessoas usam para disfarçar suas ansiedades e se afogarem em futilidades, as tais quatro paredes. Parece até que a história é cíclica e a sina da humanidade é se foder eternamente.
Fiz uma cuca de uva. Tinha visto a receita no programa rural da afiliada local da Globo (pense em um Globo Rural, só que do estado) na casa dos meus pais e, aparentemente, eu era a última pessoa que não havia feito uma cuca. Compreensível: é bem fácil. De quebra, a receita evitou que eu jogasse no lixo as uvas sem graça que tinha na geladeira. Fiquei orgulhoso do resultado:
Outra conquista foi dominar a arte de fazer massa de pizza. Um salve à Rita Lobo:
Ainda na cozinha, ou perto dela, aprendi a abrir aqueles vinhos com tampa de rosquear, sabe? Sempre foi um esforço enorme abrir essas garrafas, quase uma humilhação. Acontece que é super fácil, eu que estava fazendo errado: não é a tampa que deve ser girada, mas sim a parte do lacre que desce pelo pescoço da garrafa. Desse modo, abri-la é ridiculamente fácil. Até nas pequenas coisas do dia a dia ser ignorante custa caro.
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Em novembro, eu e P nos mudaremos. Conseguimos alugar um apartamento legal, com espaço, numa boa região. Do jeito que queríamos. Ou quase: faltou a varanda. Mas isso é devidamente compensado pelo espaço e por janelões virados ao leste. Por esse motivo, talvez eu mande só mais uma newsletter este ano, perto do Natal.
(Na última vez que nos falamos, quando dei as coordenadas da região onde estávamos procurando apartamento, descrevi o lugar e errei o ponto cardeal: era leste, não oeste. Ninguém reparou, mas senti-me um idiota quando me dei conta do deslize algumas horas depois de enviar a newsletter, um formato que não permite edição depois de publicado.)
Agora é a hora de você, que já divide um teto com alguém, nos dar dicas de convivência. (Repassarei as respostas recebidas à P.) Confesso que estou bem tranquilo, mas até agora, em todas as vezes que mencionei a mudança, recebi alertas inquietantes, “os primeiros três meses são difíceis, mas depois fica bom”, coisas do tipo. Informação é poder!
De antemão, adotamos o Basecamp para coordenar o “projeto casa”. Não sei até que ponto isso é um exagero, mas visto que adoto o mesmo sistema para organizar o Manual do Usuário — mesmo que, fora o podcast que preparo com a Jacque, na maior parte do tempo eu use aquilo sozinho —, acho que será útil.
Deseje-nos sorte na mudança!
Obrigado pela companhia e até a próxima :)