#115. TikTok e a internet que a gente quer — ou a que eu quero
Tempo de leitura: 7 min.
Olá,
Estou no interior. Vim para a despedida de solteiro de um amigo e passar a Páscoa com a família. É bom rever gente querida com quem não convivo, mas gostaria.
O céu aqui é espetacular.
Esta é uma newsletter inconsistente, que vez ou outra chega à sua caixa de entrada nas manhãs de domingo. Recomendo lê-la tomando um bom café.
Em 2019, escrevi que não tinha interesse em usar o TikTok porque havia vários indícios de que se tratava de um filme repetido.
No espírito em que comecei este ano, recriando perfis no Instagram (~10 minutos por dia) e Facebook (não acesso há semanas), baixei e comecei a usar o TikTok.
Ainda não me fisgou. Correndo o risco de me contradizer daqui a alguns dias, digo-lhe agora que o famoso algoritmo que supostamente adivinha os gostos do usuário e entrega só os melhores vídeos ainda não se acertou comigo.
Todos a quem falei do meu pequeno experimento, das pessoas no Twitter à minha afilhada adolescente, disseram a mesma coisa: no começo é ruim mesmo, mas vai vendo, curta um ou outro vídeo, logo melhora. Coloquei um limite de tempo diário para o TikTok e tenho assistido aos vídeos nesse período todos os dias. Vamos lá, algoritmo, surpreenda-me.
Não nutro muita esperança, porém. Meu desapreço é menos pelos vídeos, mais pelo próprio formato do aplicativo:
- É tudo muito corrido. Embora o limite na duração dos vídeos tenha se alargado, a arquitetura do TikTok privilegia a produção de vídeos curtos, e aí todo vídeo parece acelerado, mais rápido do que poderia ou deveria ser.
- É tudo muito apelativo, porque é muito fácil passar para o próximo vídeo. Melhor usar do exagero para tentar prender a atenção de quem está vendo.
- É constante uma incômoda sensação de que todo mundo ali está tentando levar algum tipo de vantagem em cima de mim ou tentando me enganar.
Poderia ser algo geracional, ou seja, estou velho demais para essas coisas. Não sei. Embora pouco me reconheça no Rodrigo adolescente, de 20 anos atrás, tenho quase certeza de que ele também não curtiria muito o TikTok.
Tipos de vídeo que aparecem no meu TikTok até agora:
- Uma dica fuleira para editar fotos no iPhone estourando o brilho das imagens.
- Dicas variadas (a maioria questionável) para melhorar celulares e computadores.
- Dicas suspeitas de como ganhar muito dinheiro “trabalhando” na internet.
- Sugestões de carros para comprar até ~R$ 40 mil.
- Danças.
- Esquetes constrangedoras de casais.
Mais uma vez perdi o prazo que me dei para enviar esta newsletter. Seria mensal, mas esta edição chega à sua caixa de entrada quase dois meses desde a anterior.
Eu deveria ser mais disciplinado com isso aqui, porque não adianta ficar só reclamando do TikTok ou da rede social comercial do momento se negligencio os canais de que gosto mais, como esta newsletter e o meu blog, né?
Dia desses descobri um protocolo que se parece com a web dos anos 1990. Chama-se Gemini. Achei tão legal que migrei o meta blog do Manual do Usuário para lá. Uma coluna no próprio Manual para entender o protocolo Gemini.
Eu não resisto a essas coisas alternativas e tenho ciência de que esta newsletter está soando nostálgica, mas não acho que o ~problema da internet em 2022 sejam as imagens ou os vídeos ou o fato de estarmos quase todos conectados, ou que a solução para esse desconforto que não é só meu, que é tão comum, seja um regresso à “web 1.0”. Pelo contrário, o que temos hoje é espetacular.
O problema, acho eu, é que que a internet virou um grande shopping e aquela sensação que expressei ali em cima a respeito do TikTok, de que parece que todo mundo quer me vender algo ou tirar algum tipo de vantagem, é quase indissociável das nossas experiências comuns no online, do que hoje se define como “estar na internet”.
Não estou me referindo às pessoas com seus pequenos negócios, aos profissionais liberais, nada disso. À parte a necessidade, que por vezes transparece e é cruel, é ótimo que a gente tenha essas plataformas para conhecermos e valorizarmos pequenos negócios — algo de que eu também faço uso.
Minha bronca é com as grandes marcas, com a publicidade invasiva das grandes plataformas e a forçação de anúncios.
Pense neste paralelo: a diferença entre o pequeno produtor rural e os grandes latifundiários. Ambos fazem a mesma coisa, mas de maneiras absolutamente diferentes e com resultados diferentes.
Quando Elon Musk, a pessoa mais rica do mundo, faz uma proposta hostil para adquirir o Twitter, esse desassossego fica escancarado. Não é de se estranhar que as investidas dele estejam correlacionadas a picos de novos cadastros no Mastodon, uma rede social descentralizada e livre da lógica comercial que já existe impregnada no Twitter, é apenas destacada pelos atos de Musk. (Saiba mais do Mastodon.)
A gente ainda tem os blogs, a newsletter, o protocolo Gemini. A parafernália que fazia funcionar a web 1.0 continua funcionando hoje, em grande medida. Só que nada ali é fácil, intuitivo ou conveniente, ao contrário das alternativas comerciais e modernas.
Entre sentar a bunda na frente do computador, digitar centenas de palavras, editá-las, editá-las mais um pouco e, enfim, enviar esta newsletter, e abrir o Twitter no celular e postar qualquer bobagem como se estivesse mandando uma mensagem a um amigo… você entendeu.
- Bem legal o novo podcast da Rádio Novelo, “Crime e castigo” (nada a ver com o romance de Dostoiévski). Pena que quem mais se beneficiaria dessa audição provavelmente não irá ouvi-lo.
- Por falar em romances russos, comecei a ler “Anna Kariênina” do Tolstói (+800 páginas, estou em 56%), por isso o saldo de março foi de apenas um livro terminado, o já citado (na edição anterior) “Como escrever bem”, do William Zinsser.
- Filmes favoritos do mês: “First cow” (2019), da Kelly Reichardt; “Fique comigo” (2015), do Samuel Benchetrit; e “Queda livre: A tragédia do caso Boeing” (2022), da Rory Kennedy.
Aliás, uma dica direto do Manual do Usuário: Como saber em qual streaming tal filme ou série está passando.
Um salve à Luisa Pinheiro por ter citado esta humilde newsletter na dela, no início de março, o que trouxe uma galera nova para cá. Valeu!
A você que é novo(a) por aqui, seja bem-vindo(a).
Materiais legais e/ou interessantes do Manual:
- Ano passado pedi, nesta newsletter, dicas para a vida a dois. Hoje, devolvo uma: um aplicativo para dividir os gastos domésticos.
- Outra dica importante, de como ativar a autenticação em dois fatores do jeito certo. (O tutorial se refere ao Instagram, mas vale para qualquer serviço/aplicativo.)
- Uma entrevista legal no podcast: com Rafael Grohmann, pesquisador que estuda o trabalho plataformizado.
- Em texto e vídeo, um teste de vários tipos de apoio para os punhos/pulsos.
- Reportagem: Com estratégia “Kinder Ovo”, startups atacam o desperdício de comida.
- Reportagem: Fuga de cérebros: desenvolvedores latino-americanos ganham mais trabalhando remotamente para empresas estrangeiras.
- Reportagem: O que muda com a regulação de criptoativos no Brasil.
Algumas indicações — ou coisas que eu uso e que têm programas de indicações que dão benefícios a quem se cadastra e a mim:
- Winebox: assine com o meu cupom (
RDRG325466
), ganhe um vale-compras de R$ 50. - Fastmail: Assine com o meu link, ganhe 10% de desconto por um ano.
- ~Livraria do Manual: Compre pelos links e ajuda a financiar o site sem gastar um centavo a mais.
Você pode responder esta mensagem, como se fosse um e-mail qualquer, e eu a receberei na minha caixa de entrada.
Será que semana que vem teremos uma nova edição? Não sei, fica o mistério no ar.
Abraço,
Rodrigo Ghedin.