#117. Outros grandes feitos da humanidade
Tempo de leitura: 6 min.
Olá,
Escrevi esta newsletter com alguma antecedência, em um dos dias mais frios do ano.
Coincidência ou não, marquei compromissos fora de casa, ambos não obrigatórios e por iniciativa exclusivamente minha, na terça e na quarta, os dois dias mais frios dessa onda de ar polar que passou sobre o Brasil, então tenho local de fala para confirmar que estava bem frio mesmo.
A gente admira e se impressiona por grandes feitos da humanidade tangíveis — coisas que dá para ver, tocar —, mas acho que algumas das mais impressionantes que já fizemos estão no campo do diálogo. (Diálogo que, de qualquer modo, também está presente nas coisas tangíveis, que dá para ver, tocar.)
O método científico, a justiça, a democracia. Qualquer pessoa que não viva totalmente isolada ou que não seja uma baita cuzona há de reconhecer que essas coisas são monumentais.
Surpreendo-me, de verdade, que (quase) todo mundo reconheça e tope participar dessas brincadeiras. A humanidade é um grande r/WhatCouldGoRight.
Acrescentaria a esse rol a invenção da psicoterapia. Imagine só: treinar uma pessoa para ouvir outras pessoas, com toda a atenção do mundo e sem fazer juízos de valor (ou, se sim, não demonstrá-los), durante um tempo pré-determinado a fim de ajudá-las a se encontrarem na vida.
É simples e genial ao mesmo tempo.
Pena que é caro.
Levei 30 horas e 52 minutos para ler “Anna Kariênina”, do Tolstói. Não à toa o livro continua aí, firme e forte, e não apenas por sua inigualável frase inicial — “Todas as famílias felizes são parecidas, cada família infeliz é infeliz a seu próprio modo”. Todo o resto é tão bom quanto.
Certas passagens tocam fundo na alma. Tolstói fala de amor, trabalho, justiça, vícios e vida social de um jeito que segue super atual, mesmo revelando a idade em detalhes como cavalos no lugar de carros, pessoas que se visitam a toda hora sem avisarem antes e bilhetes de papel como um tipo lerdo e ineficiente de WhatsApp do século XIX.
Em vários momentos da leitura eu parei e fiquei refletindo. (Nesta parte eu me segurei para não detalhar alguns desses momentos a você, evitando assim dar spoiler de um livro lançado há 145 anos. De nada.)
Enfim, bom demais. Leia.
Voltei a ver filmes antigos — meu Letterboxd não me deixa mentir.
Imagino que você esteja saturado(a) de serviços de streaming, mas dois deles têm me ajudado a assistir a mais filmes antigos: MUBI e Belas Artes À La Carte.
(Não estou ganhando nada para mencioná-los aqui. Não por falta de tentativa: cheguei a negociar com ambos a veiculação de anúncios no Manual do Usuário. Infelizmente as negociações fracassaram.)
O MUBI acho que geral já conhece. É um serviço europeu com um quê de curadoria. Tem uma boa mistura de filmes antigos e lançamentos fora do circuito, que você não encontra em cinemas de shoppings. Dia desses vi “Charada”, do Stanley Donen. É sensacional.
O Belas Artes À La Carte é nacional e a assinatura é super barata, só R$ 9,90. Também tem uma boa curadoria, com uns clipes curtos, como se fossem vídeos de YouTube, do tipo “por que ver este filme”. A navegação, no site e nos aplicativos, é ruim, esconde as muitas joias do serviço; tem que ir fundo ao rolar a tela para garimpá-las. Ali vi “Ninotchka” (de Ernst Lubitsch; mencionei este na newsletter passada) e “Cupido é moleque teimoso” (Leo McCarey). Ótimos.
Minha série de 20 minutos para ver depois do almoço do momento é “O show dos Looney Tunes”.
Sim, é um desenho, mas poderia não ser. Foi lançada em 2011, teve apenas duas temporadas e está disponível do HBO Max.
Ao contrário dos desenhos clássicos da Warner, essa coloca as personagens em uma espécie de sitcom. Pernalonga e Patolino dividem uma casa — Patolino mora de favor, é quase um Agostinho Carrara no limiar da insanidade — e as esquetes com outros personagens, como Gaguinho, Lola, Eufrazino, Vovó, Piu-Piu etc.
Digo que “poderia não ser [um desenho]” porque, fora algumas passagens mais óbvias que brincam com a natureza dos personagens (Pernalonga só come cenoura), os conflitos e situações são mundanas: questões no trabalho, brigas de vizinhos, namoros etc.
Um aspecto secundário, mas muito bem executado, pois vira uma fonte de tiradas muito boas, é o das “classes” de animais. Pernalonga (um coelho) e Patolino (um pato), por exemplo, se comportam e são tratados como seres humanos, ainda que não reneguem as espécies. Ao mesmo tempo, existem personagens animais que são tratados como animais, como o Taz, que aqui é o “cachorro” do Pernalonga, e Piu-Piu e Frajola, que falam, mas são animais de estimação da Vovó. E, além disso, ainda tem animais animais, correspondentes diretos aos nossos animais. Tipo “Bojack Horseman”, mas achei que aqui ficou menos forçado.
Existem outros dois desenhos dos Looney Tunes no HBO Max, não tão legais quanto esse — ou mais infantis, com um humor escrachado.
Ah, relacionado ao tópico anterior: o HBO Max também tem um bom acervo de filmes antigos.
Sempre tenho muito cuidado com alarmismo. Somos muito ruins em dimensionar ameaças. Estão aí os oportunistas que se aproveitam do fantasma do “comunismo”, no Brasil de 2022, para se elegerem. E conseguem! Somos péssimos nisso.
Quando a história dos assaltos de celulares para limpar contas bancárias via aplicativos surgiu, duas perguntas difíceis atiçaram a minha curiosidade:
- Como eles conseguem?
- Qual a proporção de assaltos do tipo?
Nenhuma tem respostas diretas, só respostas parciais que a gente junta para tentar entender o que está acontecendo. E, embora seja inegável o aumento no número de assaltos, há muitas nuances e, no geral, os índices ainda são relativamente baixos em relação ao total de pessoas com celulares — a essa altura, mais da metade da população.
Sempre existe a chance de você dar o azar de estar nesse percentual minúsculo e se ferrar grandão, mas… né, será que justifica a paranoia? Li gente dificultando sobremaneira o acesso ao próprio celular, ou até deixando o aparelho em casa para se proteger. Sei lá, acho exagero.
É algo similar ao risco de contaminação da covid-19. Mesmo tomando os cuidados, pode acontecer, mas não há quem aguente tomar todos os cuidados, o tempo todo, por mais de dois anos seguidos. É preciso encontrar um meio termo. (Falou a pessoa que ainda vai a todo canto de PFF2.)
Foi com esse espírito que cometi esta matéria. Tem algumas dicas práticas ali — umas eu já empregava, outras conheci na apuração —, mas, mais importante que isso, tentei ajustar a expectativa em relação ao tema, que segue deturpada desde aquela história do cara que perdeu quase R$ 150 mil num golpe desse tipo, uma história, infelizmente, ainda mal contada.
Outras coisas legais do Manual:
- Em vídeo, expliquei o funcionamento básico do Pi-Hole [YouTube], um bloqueador de anúncios no nível da rede, e dei algumas dicas de configuração e usos.
- Várias dicas para deixar o YouTube menos viciante.
- Estou em lua de mel com este novo aplicativo de texto puro para o iOS.
- Bom demais o Tecnocracia em homenagem ao Tadao Takahashi.
- Celulares pequenos não têm mais espaço no mercado e eu, que gosto de celulares pequenos, lamento muito isso.
- A Flávia Schiochet, da newsletter fogo baixo, assinou esta matéria sensacional a respeito de dark kitchens e plataformas de delivery.
Algumas indicações — ou coisas que eu uso e que têm programas de indicações que dão benefícios a quem se cadastra e a mim:
- Winebox: assine com o meu cupom (
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Era isso! Obrigado pela companhia.
Abraço,
Rodrigo Ghedin.