#120. Alívio
Tempo de leitura: 4 minutos.
Olá,
O último domingo (30) foi um dia feliz, como há muito não tinha. Depois de uma tarde tensa, à noite veio o alívio misturado a uma explosão de alegria genuína com a expectativa e, depois, a confirmação de que o Brasil rejeitara aquele desgraçado do Bolsonaro.
E aí, a cereja do bolo: ouvir um ser humano decente discursando como presidente, pregando a união, o combate à fome, a preservação da Amazonia, sem mentir descaradamente, sem exalar ódio a cada palavra dita. Meu deus, que saudade eu estava de não ficar enojado ao ouvir um discurso presidencial.
Não que de uma hora para outra tudo melhorou ou vá melhorar, mas os primeiros sinais são animadores. O próprio Bolsonaro ficou dois dias em silêncio absoluto e só isso, só de não ter que ler ou ouvir o monte de bosta que sai daquela boca putrefata, já me trouxe alguma paz.
Tretei com parentes e desconhecidos após a vitória, movido pela euforia e provocado por maus perdedores que sugerem uma tentativa covarde de golpe. Nada que me desanimasse. Curaremos essas feridas no devido tempo.
O resultado da eleição do último domingo, a vitória de Lula, causou sensações em mim quase esquecidas: a alegria já mencionada e, talvez mais importante, a esperança de um futuro melhor. Estava com saudade.
Talvez me referir ao zine do Manual do Usuário como “zine” tenha sido uma má ideia. Quase sempre preciso abrir um parêntese na conversa para explicar o que é um zine. Teria sido mais fácil chamá-lo de livrinho. O que não deixa de ser verdade, apesar da ausência do ISBN e de outras burocracias.
O zine, digo, livrinho “Outros jeitos de pensar a tecnologia” saiu, já vendeu mais de 130 cópias (quase o triplo da nossa expectativa inicial) e foi mais um momento feliz neste outubro de 2022 tão marcante, tão bacana.
Nem o fiasco do lançamento presencial (poucos amigos apareceram; obrigado, amigos!) me abalou. O Manual e eu somos crias do digital e aqui, na internet, correu tudo muito bem.
Estamos na terceira tiragem, que o Felipe e a Marília, da editora Casatrês, produzem artesanalmente com todo o carinho. Se quiser comprar uma cópia, siga por aqui. Quer dar uma olhada antes? Veja este ~shorts.
Do Manual, destaco também:
- Eu e a Jacque Lafloufa batemos um papo a respeito do zine e de objetos físicos num mundo cada vez mais digitalizado. Ouça aqui.
- O Manual completou nove anos no último dia 15. Um textinho para celebrar.
Li “O despertar de tudo: Uma nova história da humanidade”, do David Graeber e David Wengrow, publicado pela Companhia das Letras.
O livro confronta a narrativa popularizada por escritores como Yuval Harari e Jared Diamond, herança do Iluminismo europeu, de que a invenção da agricultura, dez mil anos atrás, foi um marco na história da humanidade, o início da trajetória linear que nos trouxe ao que temos hoje: governos soberanos, agricultura intensiva, aglomerações em cidades.
Os Davids questionam o argumento de que a humanidade evoluiu numa progressão certinha, limpinha, saindo dos bandos de caçadores-coletores igualitários e politicamente inaptos para os estados capitalistas complexos que temos hoje. Questionam a própria história da humanidade como a convencionamos nos últimos dois séculos a partir das ideias de Rousseau — que, afirmam eles, na real foram inspiradas pelas dos ameríndios e suas experiências que cruzavam o Atlântico desde a invasão europeia no final do século XV.
A história, alegam com base em muitas evidências científicas, é muito mais granular: o ser humano teria se organizado de diversas formas desde o fim da última era glacial, às vezes de modo complexo e sem figuras centrais de poder, e experimentado a agricultura em diferentes intensidades e momentos antes de se ver “preso” a ela, dependente do agro.
Em seu âmago, como resume a ótima Fernanda Mena na introdução desta entrevista com Wengrow:
“[…] o livro apresenta as sociedades pré-históricas e os povos indígenas como um ‘desfile carnavalesco de formas políticas’ capazes de produzir um caleidoscópio de novas possibilidades, todas descartas pelo cânone ocidental eurocêntrico que definiu, a partir do Iluminismo, as noções modernas de liberdade, civilização, Estado e democracia.”
Talvez o texto se beneficiasse de mais concisão, porque ao final da leitura, mesmo fascinado pelos exemplos que contradizem frontal e nominalmente obras como “Sapiens”, do Harari, ainda não fica muito claro o porquê de termos nos “aprisionado” no (ou nos conformado com o) arranjo atual.
Os próprios autores reconhecem que, hoje, é muito difícil pensar em sistemas alternativos. E é por isso, por apresentar ao leitor formas alternativas de convivência e de pactos sociais que pelo visto funcionaram muito bem em alguns momentos da nossa história, que a leitura é tão válida. É daquelas que dão uma sensação quase física de novas perspectivas e ideias se abrindo no cérebro.
Meu agradecimento à Companhia das Letras, que mandou uma cópia de cortesia de “O despertar de tudo”.
Errata: na última edição da newsletter, agradeci à editora errada pelo envio da cópia cortesia de “Crítica do espetáculo”, do Gabriel Ferreira Zacarias. O livro é da Elefante. Agora sim, obrigado!
Fecho cada edição desta newsletter com links de indicação de empresas que oferecem vantagens a quem indica (eu!) e a quem é indicado (você) seus serviços.
Nesta quinta (3), lançarei algo parecido para os assinantes do Manual do Usuário: um clube de descontos. Dez empresas passam a oferecer descontos e vantagens exclusivas a quem apoia o Manual. Tem bastante coisa legal, que eu mesmo uso/gosto, e tentarei trazer novidades com frequência.
Para participar, precisa ser assinante do Manual. Custa bem pouquinho, a partir de R$ 9 por mês (ou R$ 99 por ano).
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Obrigado pela companhia.
Que os próximos anos sejam mais leves :)
Rodrigo Ghedin.